O Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, instituído pela Resolução 54/134 da Assembleia Geral das Nações Unidas em 1999, destaca a violência de gênero como uma grave violação dos direitos humanos. Comemorado em 25 de novembro, a data homenageia as irmãs Mirabal, símbolos da resistência à opressão na República Dominicana, brutalmente assassinadas em 1960. Mais do que uma ocasião de conscientização, o dia simboliza um chamado global para que governos, organizações internacionais e a sociedade civil atuem de forma decisiva para erradicar as desigualdades que perpetuam a violência contra as mulheres.
A fundamentação no Direito Internacional dos Direitos Humanos
O Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) estabelece uma base sólida para abordar a violência contra as mulheres, reconhecendo-a como uma violação direta de direitos fundamentais, como a dignidade, a vida, a igualdade e a integridade física e psicológica. Documentos centrais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966) e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW, 1979) enfatizam a obrigação dos Estados de prevenir, punir e reparar as violações que afetam desproporcionalmente as mulheres.
A Recomendação Geral nº 19 do Comitê da CEDAW (1992) foi um marco ao reconhecer explicitamente a violência de gênero como uma forma de discriminação. Posteriormente, a Recomendação Geral nº 35 (2017) reforçou que a violência contra as mulheres é inseparável das estruturas sociais que perpetuam a desigualdade de gênero, estabelecendo que os Estados devem adotar medidas eficazes para prevenir, investigar e punir tais atos.
A Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres (1993) complementa esses instrumentos ao definir a violência de gênero como qualquer ato que cause sofrimento físico, sexual ou psicológico, seja na esfera pública ou privada. Esse entendimento moldou respostas globais e regionais, incluindo iniciativas como a Convenção de Belém do Pará (1994), no contexto interamericano, que reconhece o direito das mulheres a uma vida livre de violência.
A violência contra as mulheres no contexto atual
Apesar do avanço normativo, a violência contra as mulheres permanece uma realidade alarmante. Segundo a ONU Mulheres (2023), uma em cada três mulheres no mundo experimentou violência física ou sexual ao longo de suas vidas. Durante a pandemia de COVID-19, o isolamento social exacerbou a violência doméstica, com aumentos de até 30% nas denúncias em países como França, Argentina e Brasil. Ao mesmo tempo, serviços essenciais de proteção foram descontinuados ou severamente limitados, destacando a necessidade de respostas integradas.
As mulheres enfrentam riscos exacerbados em situações de instabilidade política e crises humanitárias. Em países como o Afeganistão, o retorno do regime talibã em 2021 impôs restrições extremas à liberdade de movimento, trabalho e educação das mulheres, enquanto relatos de casamentos forçados e violência sexual aumentaram significativamente (Human Rights Watch, 2024). Na Índia, ataques com ácido continuam sendo uma forma brutal de punição contra mulheres que desafiam normas patriarcais, apesar de avanços legislativos. No Irã, a repressão às mulheres que protestam contra o uso obrigatório do hijab, como nos protestos desencadeados pela morte de Mahsa Amini em 2022, reflete o uso da violência de Estado para silenciar movimentos por igualdade de gênero.
A América Latina registra taxas preocupantes de feminicídio. Em países como o México, mais de 3.754 feminicídios foram registrados em 2022, enquanto Honduras continua entre os países com maiores índices globais de homicídios de mulheres, agravados por gangues criminosas e sistemas judiciais frágeis.
A violência de contra a mulher em conflitos armados
Embora o foco do DIDH seja a proteção universal dos direitos humanos em tempos de paz, sua aplicabilidade em conflitos armados complementa as disposições do Direito Internacional Humanitário (DIH). Nesse contexto, a violência sexual é frequentemente usada como arma de guerra. Durante o genocídio em Ruanda (1994), entre 100.000 e 250.000 mulheres foram estupradas como parte de uma estratégia sistemática para destruir comunidades. Nos Bálcãs, cerca de 20.000 mulheres foram vítimas de violência sexual em campos de detenção durante os conflitos nos anos 1990.
Esses atos violam diretamente o DIDH e o DIH, ambos aplicáveis em situações de conflito armado. O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (1998) reconheceu a violência sexual como crime de guerra e crime contra a humanidade, consolidando o precedente do caso Prosecutor v. Akayesu, no Tribunal Penal Internacional para Ruanda (TPIR), que estabeleceu que o estupro pode constituir um ato de genocídio. Em conflitos contemporâneos, como na República Democrática do Congo, o estupro continua sendo utilizado por grupos armados como método de controle territorial e desumanização, apesar da presença de forças de paz e mecanismos de justiça internacional.
Iniciativas e respostas globais
A ONU Mulheres, desde sua criação em 2010, lidera esforços globais para combater a violência de gênero por meio de programas inovadores e parcerias estratégicas. A iniciativa UNiTE by 2030 visa mobilizar governos, organizações da sociedade civil e indivíduos para implementar políticas abrangentes de prevenção e resposta à violência, promovendo mudanças culturais e institucionais. A campanha Safe Cities and Safe Public Spaces, que abrange mais de 50 cidades globais, busca criar ambientes urbanos livres de assédio e violência, especialmente contra mulheres e meninas.
No nível nacional, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), particularmente o ODS 5 (Igualdade de Gênero) e o ODS 16 (Paz, Justiça e Instituições Eficazes), têm sido ferramentas importantes para vincular o combate à violência de gênero às metas de desenvolvimento sustentável. No entanto, a implementação dessas políticas ainda enfrenta desafios significativos, como a falta de financiamento, barreiras culturais e sistemas de justiça ineficazes.
Considerações finais
O dia internacional para a eliminação da violência contra as mulheres é uma oportunidade para reafirmar o compromisso global com a erradicação da violência de gênero e com a implementação efetiva das normas do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Embora avanços tenham sido alcançados, a persistência da violência reflete desigualdades estruturais que exigem respostas integradas e sustentadas. O DIDH oferece um arcabouço jurídico robusto para combater essas violações, mas sua eficácia depende da vontade política, da alocação de recursos e do fortalecimento de sistemas de proteção e justiça. Somente por meio de esforços coordenados será possível garantir que todas as mulheres vivam com dignidade, segurança e igualdade.
Referências
ONU Mulheres. "Relatório Global sobre Violência contra Mulheres", 2023.
ACNUR. "Diretrizes sobre Proteção Internacional: Perseguição Baseada em Gênero", 2017.
Human Rights Watch. "The Taliban’s War on Women in Afghanistan", 2023.
Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, Assembleia Geral da ONU, 1993.
Resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU, 2000.
Tribunal Penal Internacional para Ruanda, Caso Prosecutor v. Akayesu, 1998.
Wood, E. "Sexual Violence during War: Explaining Variation", 2006.
Seifert, R. "War and Rape: A Preliminary Analysis", 1994.
Roberta Abdanur,
Coordenadora Centro de Direito Internacional
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