O Dia Internacional dos Direitos Humanos, celebrado em 10 de dezembro, estabelece um dos marcos mais importantes da história contemporânea: a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, por meio da Resolução 217 A (III). Este documento histórico estabeleceu padrões universais para a proteção dos direitos fundamentais, promovendo valores de igualdade, liberdade e dignidade.
Proclamada no contexto pós-Segunda Guerra Mundial, a DUDH surgiu como uma resposta às atrocidades cometidas durante o conflito e como um compromisso global para evitar que tragédias semelhantes se repetissem. Seu impacto transcende o plano jurídico: é um símbolo de luta por justiça e um guia para políticas públicas e ações humanitárias em escala internacional.
Embora a adoção da DUDH tenha ocorrido em 1948, foi apenas em 1950 que o Dia Internacional dos Direitos Humanos foi oficialmente proclamado, com a Resolução 423 (V) da Assembleia Geral. A data tornou-se um momento simbólico para refletir sobre as conquistas e os desafios enfrentados na implementação desses direitos em um mundo complexo e interconectado.
A escolha do dia 10 de dezembro como data comemorativa reforça a relevância deste documento como base para o sistema internacional de proteção dos direitos humanos. No entanto, passados mais de 75 anos, os desafios para sua plena implementação continuam a exigir atenção. Crimes contra a humanidade ainda são encobertos em diversos contextos, e criminosos frequentemente permanecem impunes, desafiando os princípios centrais da DUDH. Como as normas estabelecidas em 1948 podem ser mais eficazmente aplicadas? E o que impede a responsabilização efetiva de indivíduos e instituições que violam os direitos humanos?
Resoluções e instrumentos jurídicos relacionados
A Declaração Universal dos Direitos Humanos serviu como base para a construção de um arcabouço jurídico robusto, refletido em tratados internacionais que consolidaram os valores da DUDH em obrigações legais para os Estados, estabelecendo os pilares do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Entre os mais significativos, destacam-se o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), ambos adotados em 1966.
O PIDCP assegura direitos como a liberdade de expressão, a igualdade perante a lei e a proteção contra tortura e detenções arbitrárias, enquanto o PIDESC garante o acesso à saúde, à educação, ao trabalho digno e à segurança social. Esses instrumentos, juntamente com a DUDH, compõem a Carta Internacional de Direitos Humanos e são marcos fundamentais do Direito Internacional dos Direitos Humanos, estabelecendo obrigações vinculantes para os Estados.
A adoção desses tratados ocorreu em um contexto histórico marcado pela Guerra Fria, que polarizou o mundo entre blocos ideológicos rivais. Essa divisão influenciou a fragmentação entre os direitos civis e políticos, considerados prioridades pelas democracias ocidentais, e os direitos econômicos, sociais e culturais, defendidos pelas nações do bloco socialista e pelos países em processo de descolonização. Apesar dessas divisões, os pactos representam um compromisso universal com a proteção dos direitos humanos, reforçando a interdependência e indivisibilidade desses direitos no âmbito internacional.
Adicionalmente, instrumentos como o Estatuto de Roma (1998), que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional (TPI), ampliaram o escopo do Direito Internacional dos Direitos Humanos ao prever mecanismos de responsabilização para crimes de guerra, genocídio e crimes contra a humanidade. Apesar de sua relevância, muitos desses mecanismos enfrentam desafios na implementação, particularmente devido à resistência de Estados estratégicos e à limitada capacidade de aplicação prática em contextos de conflito e desigualdade acentuada.
A articulação entre a DUDH, os pactos internacionais e tratados subsequentes reafirma a importância do Direito Internacional dos Direitos Humanos como um sistema que busca garantir a dignidade humana e responsabilizar violações em nível global.
Desafios e exemplos contemporâneos
Desde o início do século 21, as violações de direitos humanos têm exposto a distância entre os princípios da DUDH e sua aplicação no mundo real. Entre os desafios mais evidentes estão a crise migratória global, o aumento das restrições à liberdade de expressão e o aprofundamento das desigualdades econômicas e sociais.
A crise migratória global é um dos maiores exemplos da incapacidade das estruturas internacionais de proteger a dignidade humana. Em 2023, mais de 110 milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas devido a conflitos, perseguições e mudanças climáticas (ACNUR, 2023). Esses indivíduos enfrentam discriminação, condições desumanas em campos de refugiados e barreiras para acessar asilo e refúgio. Diante de uma situação de alarmante descontrole, mesmo países defensores dos direitos humanos e apoiadores das Nações Unidas passaram a adotar políticas mais restritivas para entrada e permanência em seus territórios, deixando milhões vulneráveis “trancados do lado de fora” (Hannah Arendt – Nós, os Refugiados; 1943)
A liberdade de expressão também está sob ataque. Em muitos países, jornalistas e defensores de direitos humanos enfrentam censura, perseguição e até mesmo assassinatos. Regimes autoritários, por sua vez, utilizam a tecnologia para controlar narrativas e silenciar vozes dissidentes, enquanto democracias enfrentam pressões de polarização política que dificultam a preservação de direitos básicos.
As desigualdades econômicas e sociais, intensificadas pela pandemia de COVID-19, expõem as limitações dos sistemas internacionais em garantir direitos básicos. Milhões continuam sem acesso adequado à saúde, educação e moradia, enquanto a concentração de riqueza aumenta globalmente. Esses desafios não são apenas falhas práticas, mas reflexos de desigualdades estruturais que minam os valores centrais da DUDH.
Além disso, a impunidade permanece uma barreira significativa. Crimes contra a humanidade, como genocídios e limpeza étnica, frequentemente são encobertos por interesses políticos e econômicos. Mesmo quando mecanismos como o Tribunal Penal Internacional intervêm, a falta de cooperação entre Estados e a lentidão processual comprometem a justiça.
Considerações finais
O Dia Internacional dos Direitos Humanos é um momento de celebração, mas também de profunda reflexão. A data exige um compromisso renovado com a implementação dos princípios da DUDH e com a superação dos desafios contemporâneos.
Como podemos assegurar que os direitos humanos sejam respeitados em um cenário global cada vez mais polarizado? Quais são os limites dos mecanismos jurídicos existentes e como podemos aprimorá-los? O que está sendo feito para integrar as vozes das comunidades mais afetadas pelas violações aos processos de decisão internacional? A defesa dos direitos humanos não pode se restringir a discursos ou declarações simbólicas. Exige ação estratégica, engajamento global e um compromisso ético, sobretudo de governos e profissionais da área humanitária. Em um mundo onde a dignidade humana continua sendo ameaçada, o papel dos defensores dos direitos humanos é mais crucial do que nunca.
Portanto, neste 10 de dezembro, que cada um de nós, enquanto profissional e cidadão global, reflita sobre seu papel na proteção e promoção dos direitos humanos. Que ações podemos tomar para fechar as lacunas entre os ideais da DUDH e a realidade enfrentada por milhões? Que estratégias podem ser implementadas para garantir que ninguém seja deixado para trás?
A luta pelos direitos humanos é contínua, e sua concretização depende de todos nós. A história ainda está sendo escrita – cabe a cada um assegurar que os valores de igualdade, liberdade e dignidade prevaleçam.
Texto: Daniela Kallas Mestre em Direito Europeu e Internacional pelo Instituto de Direito Comparado da Universidade Paris II - Panthéon/Assas e Especialista em Internacional Público pela Universidade Paris I - Panthéon/Sorbonne
Comments