O Dia Internacional para a Prevenção da Exploração do Meio Ambiente em Guerras e Conflitos Armados, instituído pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2001 por meio da Resolução A/RES/56/4, busca conscientizar sobre os graves impactos ambientais dos conflitos armados e a necessidade de fortalecer os mecanismos jurídicos de proteção em tempos de guerra. A ONU ressalta que, em muitos conflitos, o meio ambiente é uma “vítima oculta,” sofrendo danos duradouros que comprometem ecossistemas e ameaçam a subsistência de gerações futuras.
Esse dia reforça o compromisso global de integrar a proteção ambiental nas estratégias de prevenção de conflitos e reconstrução pós-conflito. Neste contexto, o texto explora os principais impactos ambientais dos conflitos contemporâneos e as consequências de diferentes armamentos, como armas químicas, biológicas, nucleares, minas terrestres e bombas de fragmentação, com exemplos de conflitos recentes na Síria, Ucrânia e Afeganistão.
Aborda-se também o papel do Direito Internacional na proteção ambiental e os desafios para o cumprimento das normas do Direito Internacional Humanitário, Penal e Ambiental. O texto enfatiza a importância de mecanismos de monitoramento e da cooperação internacional para prevenir a exploração ambiental em conflitos, reafirmando a preservação do meio ambiente como essencial para uma paz duradoura e o desenvolvimento sustentável.
Consequências das Armas no Meio Ambiente
Os conflitos modernos utilizam uma variedade de armamentos que causam danos ambientais duradouros, agravando as dificuldades econômicas e sociais das regiões afetadas. Entre eles, as armas químicas destacam-se por sua capacidade de contaminar extensivamente solos e fontes de água, como observado na Síria, onde o uso de gás cloro e sarin resultou em sérios danos ecológicos e riscos à saúde humana. Estudos indicam que a contaminação causada por armas químicas pode esterilizar terras agrícolas, além de aumentar a incidência de doenças respiratórias e dermatológicas entre a população exposta (Alimov, 2020).
As armas biológicas, embora oficialmente proibidas pela Convenção sobre Armas Biológicas de 1972, continuam sendo uma ameaça potencial no cenário de guerra contemporâneo. O uso de antraz pelo Japão contra a China durante a Segunda Guerra Mundial ilustra o impacto devastador dessas armas, que, ao introduzirem agentes patogênicos no ambiente, podem desencadear epidemias, desestabilizar ecossistemas e comprometer cadeias alimentares inteiras, causando o colapso de espécies endêmicas e ameaçando a saúde pública em larga escala.
Além das armas biológicas, as armas nucleares, desenvolvidas e usadas na Segunda Guerra Mundial, como observado nos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki, são exemplos de armas de destruição em massa (ADM) que causam danos ambientais incomensuráveis. A liberação de radiação nuclear contamina solos e corpos d’água, com impactos que podem perdurar por séculos. A radiação residual afeta não apenas a saúde humana, causando cânceres e mutações genéticas, mas também compromete a biodiversidade e a fertilidade do solo, inviabilizando atividades agrícolas e habitacionais em regiões afetadas. A proibição parcial dos testes nucleares, estabelecida pelo Tratado de Proibição Parcial de Testes de 1963 e reforçada pelo Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares (CTBT), visa minimizar esses impactos, embora a ameaça das armas nucleares continue latente.
Outro exemplo crítico são as bombas de fragmentação, amplamente utilizadas em conflitos como o da Ucrânia. Estas bombas liberam múltiplos fragmentos explosivos que permanecem ativos no solo por décadas, tornando áreas contaminadas e representando um risco constante para civis. Dados indicam que áreas impactadas por bombas de fragmentação possuem o dobro de risco de contaminação ambiental e interrupção de atividades agrícolas, o que afeta diretamente a segurança alimentar e o retorno seguro das populações deslocadas.
As minas terrestres, usadas em conflitos no Afeganistão e na Bósnia, também representam uma ameaça duradoura ao meio ambiente e à segurança humana. Essas armas tornam grandes extensões de terra inexploráveis, elevando o risco de acidentes fatais. A recuperação de terras minadas pode demorar décadas, e o custo anual de desminagem em áreas afetadas atinge milhões de dólares. A Convenção sobre a Proibição de Minas Antipessoal (Convenção de Ottawa de 1997) visa mitigar esse impacto, proibindo a produção, uso e armazenamento dessas armas; no entanto, seu alcance depende da adesão e do cumprimento dos Estados.
Além disso, armas incendiárias e o uso de fósforo branco em conflitos, como na Síria e no Iêmen, têm um impacto ambiental devastador. Esses armamentos provocam incêndios que incineram florestas e campos agrícolas, poluem o ar e deixam resíduos tóxicos no solo, comprometendo o equilíbrio de ecossistemas inteiros e a saúde pública das populações locais.
Outro avanço tecnológico no campo militar, as armas autônomas letais (LAWS), que incluem drones e sistemas robóticos armados, representam uma nova ameaça ambiental. Embora sejam projetadas para atingir alvos com precisão, o uso de drones armados em larga escala pode ter efeitos colaterais no ambiente. A detonação de mísseis e a destruição de infraestruturas contribuem para a degradação ambiental em áreas de conflito, além de impactar negativamente a biodiversidade e o equilíbrio dos ecossistemas.
Violação de Normas do Direito Internacional
O uso de armas que causam danos ao meio ambiente, além dos atos de guerra que afetam ecossistemas, são frequentemente considerados violações ao Direito Internacional Humanitário (DIH) e ao Direito Internacional Ambiental. O Protocolo Adicional I às Convenções de Genebra de 1949, em seus artigos 35(3) e 55, estipula que as partes em conflito devem evitar ataques que causem “danos extensivos, duradouros e graves” ao ambiente natural. Este princípio se aplica também ao uso de armas cuja natureza gera destruição ambiental generalizada (ICRC, 2020).
No entanto, a aplicação do DIH em conflitos assimétricos e em guerras envolvendo grupos armados não-estatais é limitada, já que esses atores não têm necessariamente o compromisso formal de seguir as Convenções de Genebra. Além disso, o Direito Internacional Penal, especialmente por meio do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, considera crimes de guerra as práticas militares que afetam indiscriminadamente o ambiente natural e a infraestrutura civil. O Artigo 8 do Estatuto de Roma inclui ataques intencionais contra bens civis, que podem ser interpretados como ataques a recursos ambientais essenciais, embora o enfoque ainda precise ser fortalecido.
Em complemento ao DIH e ao DIP, o Direito Internacional Ambiental estabelece normas que, em tempos de paz, protegem ecossistemas e recursos naturais contra a destruição. A Convenção sobre a Proibição do Uso de Técnicas de Modificação Ambiental para Fins Hostis (ENMOD) de 1977 é um exemplo específico no contexto de conflitos, proibindo o uso de tecnologias de modificação ambiental com o objetivo de causar destruição. Entretanto, o caráter preventivo do DIA é limitado em contextos de guerra, o que reforça a necessidade de integrações mais robustas com o DIH para fortalecer a proteção ambiental em situações de conflito.
Desafios para a Proteção Ambiental em Conflitos Armados
A proteção ambiental em cenários de conflito armado enfrenta desafios contemporâneos que vão além das normativas existentes, pois se depara com a falta de monitoramento eficaz, a multiplicidade de atores e a ausência de mecanismos de implementação que assegurem o cumprimento das normas estabelecidas. Embora o arcabouço jurídico internacional estabeleça princípios de proteção ambiental, como o Protocolo Adicional I às Convenções de Genebra e a Convenção ENMOD, o cumprimento dessas disposições enfrenta barreiras práticas que tornam sua aplicação limitada em cenários de guerra modernos. A natureza complexa dos conflitos atuais, que frequentemente envolvem grupos armados não estatais e coalizões multinacionais, gera dificuldades em garantir a adesão de todos os envolvidos às normas de proteção ambiental.
Um dos principais desafios é a ausência de monitoramento contínuo e independente em zonas de conflito. Em áreas de difícil acesso, a documentação de danos ambientais, como a contaminação de solos e fontes de água ou a devastação de ecossistemas, é prejudicada pela insegurança, impedindo que dados precisos e atualizados sejam obtidos. Esse déficit de monitoramento dificulta a comprovação dos danos e limita a capacidade de implementação de medidas corretivas e de responsabilização. Sem uma estrutura de monitoramento integrada e em tempo real, os esforços para mitigar os impactos ambientais e buscar justiça para os danos causados tornam-se fragmentados e pouco eficazes.
Além disso, a competição crescente por recursos naturais devido às mudanças climáticas agrava os conflitos locais e intensifica a pressão sobre ecossistemas já fragilizados. Em áreas onde a escassez de água, terras agrícolas e outros recursos vitais é uma realidade, a degradação ambiental resultante dos conflitos gera um ciclo de crise ambiental e social. Esse contexto exige não apenas a aplicação das normas de proteção ambiental em tempos de guerra, mas também uma abordagem integrada de cooperação internacional que leve em consideração as consequências de longo prazo.
Outro aspecto relevante é a disparidade de recursos e capacidades entre os países afetados, que limita a implementação de medidas eficazes de proteção e recuperação ambiental. Muitos dos Estados mais afetados por conflitos carecem de infraestrutura e financiamento adequados para promover a recuperação de terras contaminadas, realizar a desminagem de áreas extensas ou implementar projetos de reflorestamento.
Esforços Internacionais e a Importância do Monitoramento Ambiental em Zonas de Guerra
A Organização das Nações Unidas (ONU), por meio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), conduz avaliações de impacto ambiental em zonas de conflito, documentando os danos causados e propondo medidas para a recuperação ecológica e a governança sustentável de recursos. Em 2016, a Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEA) aprovou a Resolução UNEP/EA.2/Res.15, que enfatiza a importância de ecossistemas saudáveis na mitigação de riscos de conflito e na promoção da paz (UNEP, 2016). Este alinhamento com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente o ODS 16 e o ODS 15, destaca a urgência de proteger o ambiente natural para evitar o agravamento de crises humanitárias e ecológicas.
Além disso, o Global Research Programme on Post-Conflict Peacebuilding and Natural Resources, liderado pelo PNUMA, reúne as melhores práticas de gestão de recursos em contextos pós-conflito. Esse programa tem gerado conhecimento para ajudar países afetados a implementar estratégias de recuperação ambiental, essenciais para a construção de paz e para a restauração de ecossistemas danificados (Conca & Wallace, 2009).
Considerações Finais
O Dia Internacional para a Prevenção da Exploração do Meio Ambiente em Guerras e Conflitos Armados sublinha a urgência de garantir a proteção ambiental em cenários de guerra, reconhecendo os impactos duradouros que os danos ao meio ambiente exercem sobre a paz e a segurança globais. Esse marco reafirma a importância de fortalecer e aplicar rigorosamente o Direito Internacional Humanitário, que impõe obrigações específicas sobre o tratamento do meio ambiente em contextos de conflito, bem como o Direito Internacional Penal e o Direito Internacional Ambiental, os quais complementam e reforçam a responsabilização de indivíduos e Estados por violações que envolvem a degradação ambiental em tempos de guerra.
Somente com uma aplicação robusta e integrada desses marcos jurídicos será possível prevenir e mitigar a exploração do meio ambiente em conflitos armados, assegurando que ecossistemas e recursos naturais essenciais para a subsistência sejam preservados. A proteção ambiental transcende o contexto imediato dos conflitos e é essencial para a construção de uma paz duradoura e sustentável, promovendo a resiliência das comunidades e a segurança das gerações futuras. Dessa forma, a preservação do meio ambiente em situações de conflito representa não apenas uma obrigação jurídica, mas um componente indispensável para a estabilidade e o desenvolvimento sustentável.
Referências
Alimov, I., 2020. Environmental Degradation in Conflict Zones: The Syrian Crisis. Environmental Law Review, 12(2), pp.112-135.
Conca, K. & Wallace, J., 2009. Environment and Peacebuilding in War-torn Societies: Lessons from Global Case Studies. Environmental Policy and Law, 39(2), pp.112-130.
International Committee of the Red Cross (ICRC), 2020. Guidelines on the Protection of the Environment in Armed Conflict. [online] Available at: https://www.icrc.org [Accessed 4 November 2024].
UNEP, 2016. Environmental Dimensions of Conflict Prevention and Peacebuilding. United Nations Environment Programme.
UNEA, 2016. UNEA Resolution on the Role of Ecosystems in Reducing Conflict Risk (UNEP/EA.2/Res.15).
Roberta Abdanur,
Coordenadora Centro de Direito Internacional
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